João 2. 1-12
O texto que temos diante de nós é muito conhecido. Isso pode ser bom por que pisamos um terreno que nos é familiar. Por outro lado, pode ser prejudicial pois, em virtude de já estarmos acostumados com ele corremos o risco de perder de vista a riqueza dos detalhes a sua tessitura1.
O texto, às vezes se parece com um quadro antigo, é preciso remover-lhe a poeira para que possamos vê-lo em todas as suas nuances. Para enxergar bem um texto é preciso, retirar a poeira das camadas de interpretações que o tempo legou para não fazer uma leitura condicionada do texto.
Nesse texto, já tão familiar, consigo enxergar nas atitudes de Jesus e no fato em si, sinais de subversão. Aliás a palavra subversão, precisa ser resgatada de uma conotação puramente negativa. A subversão de Jesus é positiva. Ele está confrontando a velha ordem de uma religiosidade mecânica e escravizante para estabelecer uma nova cheia de vida, liberdade e espontaneidade.
Por isso, quero convidá-los acompanhar comigo alguns dos aspectos desse episódio em que Jesus quebra as nossas expectativas triunfalistas e espetaculares para, subvertendo a ordem, realizar o incomum e o extraordinário, em meio às coisas comuns, simples e cotidianas.
1. Jesus está presente nos eventos simples da nossa vida comum.
O primeiro milagre de Jesus Cristo não é em um culto. Nem no Templo. É significativo que o primeiro milagre de Cristo acontece em um evento social de uma pequena aldeia. Nós costumamos associar a presença de Cristo ao culto, ao templo, a reuniões de orações. E tudo isso é verdadeiro e é de profunda importância para a vida do Crente. Jesus tinha pouco tempo para realizar o seu ministério, mas ele não considerou perda de tempo atender a um convite para ir a um casamento. Não podemos aqui, nos esquecer que uma festa de casamento podia durar até uma semana.
Se enquanto aqui na terra Jesus participava de eventos da vida cotidiana, também é verdadeiro que hoje, ressurreto, ele está presente nos eventos da nossa vida comum. Ele vai conosco em nossas festas de aniversários, no nosso veraneio, quando namoramos, etc.
Quando vamos a Igreja não vamos nos encontrar com o Senhor; vamos nos encontrar com os irmãos para adorá-lo, pois ele estava conosco em casa, estava conosco quando chegamos e estará conosco quando sairmos.
A dicotomia culto-vida, é perigosa pois nos leva a uma religiosidade e uma ética de ocasião. É importante entender que Jesus está conosco em todos os momentos de nossas vidas. E temos que tomar cuidado, porque muitos acham que saindo do culto, Cristo não estará mais com ele. Um grande engano. Por isso digo: Quando vamos a Igreja, vamos nos encontrar com nossos irmãos para juntos adorá-lo.
2. Jesus está presente nos eventos de gente comum.
Não há menção do nome dos noivos, da sua posição, é gente comum. Com certeza os seus nomes nem estavam presentes nas colunas sociais de Israel. Não era ninguém da alta sociedade, não estavam muito preocupados se a roupa era fashion ou era básica; (conjecturando) os convidados não tinham comprado roupa na “Daslu”, talvez na Riachuelo ou até mesmo em uma loja mais popular.
Jesus estava ali, aquele que criou todas as coisas e que sem ele nada do que foi feito se fez, não se impressiona com títulos de nobreza, com saldo da conta bancária, com posições sociais ou eclesiásticas. Mas, se convidado e quando as portas se abrem ele vai à casa dos simples, como este casal de noivos, ou quando lhe convém na casa dos rejeitados como a de Zaqueu.
Pode ser que o prefeito não visite a sua casa, muito menos o governador ou o presidente. Mas Jesus, não se escusa de estar lá.
3. Jesus está preocupado com os dramas comuns da nossa vida.
O primeiro milagre de Jesus acontece por causa de um drama social a falta de vinho em uma festa de casamento.
Sempre que fazemos uma festa temos uma preocupação: que não falte nada aos convidados. Nos preocupamos com os detalhes. A casa fica toda arrumada.
Colocamos a melhor toalha no banheiro. A roupa de cama mais bonita. Arrumamos tudo, não queremos que nada esteja errado.
Naquela época não era diferente, aliás, era muito mais levado em conta por causa da cultura da hospitalidade que até hoje é muito forte naquela região. O convidado tem que ser bem tratado.
Agora vocês imaginem uma festa de casamento, e no meio da festa faltar o vinho.
Para os rabinos o vinho era o símbolo da alegria, não podia faltar em uma festa judaica, ainda menos, em um casamento.
O primeiro milagre de Jesus atende a um problema comum a todos nós. Sobrou convidado, faltou o bolo na festa, e sabemos que para nós, o que não pode faltar é o bolo.
Creio que esse episódio quer nos ensinar que Jesus está preocupado com os pequenos problemas da nossa vida.
Ele é o Deus a quem recorremos na mais profunda angústia, mas é o Deus a quem recorremos, também, nos aspectos de nossa vida cotidiana.
Há um conceito errôneo de que não devemos incomodar a Deus com coisas pequenas, como se Deus fosse como nós que nos aborrecemos e nos impacientamos às vezes até exageradamente.
Como um Deus amoroso ele nos entende e nos acolhe até mesmo nas pequenas coisas da nossa vida. Pedro em sua carta no Cap.5.7 diz: Lançando sobre Ele toda a vossa ansiedade, porque Ele tem cuidado de vós.
4. Jesus usou objetos dos rituais religiosos para um propósito aparentemente comum.
Aqueles potes eram para purificação ritual, Jesus os transforma em objetos da promoção do lúdico2 , do festivo.
Não é por acaso que João coloca o episódio da purificação do templo logo após a festa de casamento, há um contraste intencional por parte do evangelista.
Durante muito tempo, por força de uma tradição que não defluia da Bíblia, o culto tinha uma imagem soturna3 e triste. Era pesado e cheio de algemas. Não pode se mexer, não pode levantar a mão, não pode sair do canto, não pode cumprimentar o irmão. Reverência parecia sinônimo de: triste, funesto. Algumas Igrejas, até colocavam como ameaça: “O Senhor está no seu santo templo, cale-se diante dele...” Se é pra levar para o literal ninguém podia cantar, nem orar, nem pregar. A igreja tinha que ser composta de mudos.
Reverência não era sinal de respeito, de percepção da majestade e da grandeza de Deus. Mas imobilidade, mumificação. Tudo era programado e robotizado.
Penso que era para espantar a espontaneidade e a alegria. A liturgia era tão rígida e fechada que não tinha lugar nem para o Espírito Santo.
Era a ditadura, o despotismo do ritualismo. No tempo de Jesus não era diferente, o que era um meio, virou um fim em si mesmo.
Jesus rompe com os conceitos de sacralização da época. Ele profaniza o sagrado e sacraliza o profano.
Sagrado para Jesus não é o que o homem estabelece, mas, aquilo que Deus assim o considera. É por isso que Ele disse aos escribas e fariseus: “vocês me honram inutilmente ensinando doutrinas e preceitos que são de homens e não de Deus.” Mat. 15.9.
Quantas divisões de igreja, quanta dissensão entre irmãos, ditas em nome de Jesus, por causa de questões insignificantes que na verdade eram idiossincrasias e manias de certos crentes. Há muita esquisitice, muita tresvaria, muita loucura, muito delírio sendo cometido em nome de Jesus.
As talhas eram para purificação? Não tem problemas, Jesus as usa para fazer o vinho da festa. A velha ordem ritualística perde o seu sentido. Ele acaba como o fetichismo dos objetos. Santo é Ele. Santo é o que ele santifica. O homem foi feito para ser servo de Deus não escravo de ritos humanos.
Deus não está restrito às paredes de um templo. Nem o universo pode conte-lo. Mas Ele faz do homem a sua habitação.
Jesus usa objetos da purificação para fazer a festa na casa e purifica o templo com um chicote. Na festa Ele faz milagre, no Templo Ele se revolta. Às vezes queremos ensinar a Deus o que é santo e o que é profano. Pedro viveu essa experiência no episódio do lençol conforme está no livro de Atos dos Apóstolos Capítulo 11.
Chegou ao conhecimento dos apóstolos e dos irmãos que estavam na Judéia que também os gentios haviam recebido a palavra de Deus. Quando Pedro subiu a Jerusalém, os que eram da circuncisão o argüiram, dizendo: Entraste em casa de homens incircuncisos e comeste com eles. Então, Pedro passou a fazer-lhes uma exposição por ordem, dizendo: Eu estava na cidade de Jope orando e, num êxtase, tive uma visão em que observei descer um objeto como se fosse um grande lençol baixado do céu pelas quatro pontas e vindo até perto de mim. E, fitando para dentro dele os olhos, vi quadrúpedes da terra, feras, répteis e aves do céu. Ouvi também uma voz que me dizia: Levanta-te, Pedro! Mata e come. Ao que eu respondi: de modo nenhum, Senhor; porque jamais entrou em minha boca qualquer coisa comum ou imunda. Segunda vez, falou a voz do céu: Ao que Deus purificou não consideres comum. Isto sucedeu por três vezes, e, de novo, tudo se recolheu para o céu. E eis que, na mesma hora, pararam junto da casa em que estávamos três homens enviados de Cesaréia para se encontrarem comigo.
Creio que esse episódio nos ensina a não querermos tomar o lugar de Deus colocando sobre os outros, fardos inúteis e desnecessários, usos e costumes que não refletem o desejo do coração de Deus, mas, os nossos gostos e as nossas vontades. Deus não tem predileção por calça comprida ou saia. Uma não é mais sagrada do que a outra. A palavra de Deus condena: a exposição do corpo, a roupa sensual, a vaidade.
Não foi Deus que instituiu o paletó e a gravata. Embora os use não me considero mais santo ou menos pecador por estar usando. Talvez, mais elegante, apesar da protuberância abdominal. Não foi Deus quem estabeleceu que o órgão é mais santo do que a bateria, fomos nós. Jesus, não está preso às convenções humanas, conceitos ou preconceitos. Ele está sempre destruindo essa perigosa e sutil forma de idolatria.
5. Os grandes eventos da vida de Cristo acontecem em lugares simples, até rústicos.
Jesus nasce em uma estrebaria é posto numa manjedoura, junto com animais; inicia o seu ministério com um milagre numa humilde casa de uma pequena aldeia e morre em uma rude cruz fora da cidade... Deus não se impressiona com os vitrais das grandes catedrais. Com os diplomas das grandes universidades, com a pompa das grandes festas. Deus ri da tolice e da vaidade humana.
Não é no templo de Jerusalém o centro da vida econômica que Jesus nasce e exerce o seu ministério. Grande parte do seu ministério. Jerusalém, é na verdade o lugar do confronto. Ele é morto e sepultado fora dela. Deus não se impressiona com as estatísticas evangelísticas, nem tem compromisso com os títulos ministeriais, ou com as grifes da fé.
Muitas vezes o seu poder se manifesta nas congregações acanhadas das periferias, os seus milagres acontecem em pequenas reuniões de gente simples e desconhecida, pois a glória só pertence a Ele. Ele não atende aos cartazes que anunciam os seus milagres. Visto que Ele não foi consultado e Ele não obedece a nossa agenda. Ele é livre e soberano.
Conclusão: a nossa época é a época do espetacular, do mega, do grandes números, das grandes estatísticas. Achamos que as coisas grandes é que são importantes, que as coisas de muito valor é que são importantes. Jesus, porém, vem nos ensinar a buscá-lo e a experimentá-lo nas coisas da nossa vida cotidiana.
Lavando a louça, passando a roupa, lavando o carro, brincando com os filhos e com os netos. Sorrindo com os amigos, passeando no shopping, conversando com os vizinhos, visitando os irmãos. O Jesus do culto está conosco a cada instante.
Porque a loucura de Deus é mais sábia do que os homens; e a fraqueza de Deus é mais forte do que os homens. Irmãos, reparai, pois, na vossa vocação; visto que não foram chamados muitos sábios segundo a carne, nem muitos poderosos, nem muitos de nobre nascimento; pelo contrário, Deus escolheu as coisas loucas do mundo para envergonhar os sábios e escolheu as coisas fracas do mundo para envergonhar as fortes; e Deus escolheu as coisas humildes do mundo, e as desprezadas, e aquelas que não são, para reduzir a nada as que são; a fim de que ninguém se vanglorie na presença de Deus. I Coríntios 1.25-29.
(1) Tessitura – 1. Conjunto de sons que convêm melhor a uma voz ou a um instrumento. 2. Contextura, organização.
(2) Lúdico – Relativo a, ou que tem caráter de jogos ou divertimentos.
(3) Soturna – 1. Sombrio, tristonho. 2. Lúgubre, medonho.
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